Tuesday, March 21, 2006

 

Estilos a parte, idéias em si


Ontem, finalmente, assisti a Crimes e Pecados, e a comparação com Match Point - Ponto Final é inevitável. Pode-se afirmar que ambos os filmes tratam da mesma situação, mas são abordagens distintas. Tanto no estilo quanto na forma. Interessante como mais de 15 anos depois, Woody Allen é capaz de dar uma nova roupa para sua história. Na verdade, acho que um de seus maiores méritos é revisitar algo sempre com novos olhares.

Isso me fez pensar sobre estilo e identidade. Quando leio o Resquícios do Dia confesso que sinto uma inveja do seu texto leve, fluido e igualmente impactante. O mesmo estilo que reconheci na literatura de Truman Capote. Eu não consigo, por mais que me esforce. Sou seco, duro, direto. O curioso é que há quem aprecie... Fico feliz! Começo a reconhecer aqui, de forma empírica, o que a teoria já disse: o texto é o reflexo da identidade de quem o escreve. Agora tenho certeza que seja verdade. Pode-se até tentar, conscientemente, se mostrar diferente do que você é, mas seu subconsciente deixará suas pistas.

Volto à mesma tecla: a diversidade. Como é bom tê-la. Não consigo entender porque então as pessoas parecem relutar tanto, se esforçar tanto em ser como o homem-médio. Médio não é palavra boa. Médio dá origem a mediocridade. Que coisa abominável. Vamos ser indivíduos. Viva a idiossincrasia!

 

Viva a liberdade de descrença !!!


Sempre julguei que a religião é um mal necessário. Que o estado médio de paz em que vivemos deve-se principalmente ao temor que as pessoas têm a um ser superior e a inevitável prestação de contas. Afinal, não há nada pior do que ter de prestar contas, seja aos pais ou ao famigerado leão. Mas a realidade que vejo é outra.

Ao longo dos milênios, quantas não foram as atrocidades realizadas em nome de Deus? Lutas sangrentas com a intenção de catequizar (leia-se impor sua religião) tiveram como resultado apenas o extermínio de povos e culturas. Vimos a perseguição aos judeus, a eterna luta entre judeus e mulçumanos, e a ira dos mulçumanos contra o ocidente cristão! Tudo em nome de uma guerra santa! Santa que nada. É apenas a materialização dos interesses de alguns através da ignorância de muitos.

Já não bastasse o ódio que existe entre os crentes, ainda sobra um bocado para os descrentes. Estes, que nunca perseguiram ninguém, nem nunca quiseram impor sua descrença aos crentes, são caçados como bruxas. Infelizes daqueles que ousam criticar o profeta ou o salvador. Fogueira para os ímpios!! Afinal a verdade está nas escrituras e ela é incontestável. Ah, como é bom ter uma verdade absoluta para se apegar e se consolar. Muitos se contentam apenas com o que lhes é oferecido; mas nem todos.

Thursday, March 16, 2006

 

Panis et circenses




Foi para a Câmara o Projeto de Lei nº 3.627, do Poder Executivo, que institui o Sistema Especial de Reserva de Vagas para estudantes egressos de escolas públicas, em especial negros e indígenas, nas instituições públicas federais de educação superior. Num país de desigualdades embasbacantes, muitos crêem ser essa a forma de reduzir os abismos. Falácia. Dar mais facilidade de acesso para alguns à uma instituição pública é, antes de tudo, anti-democrático, uma prática clara de racismo. Nada pior do que prentender combater uma desigualdade criando outra. Este projeto é populista e em nada vai contribuir para melhorar a situação em que vivemos. Espero que, se aprovada, também não piore, que não crie animosidades dentro das instituições, separando os cotista e não-cotista.

O sistema atual de acesso às universidades brasileiras é justo e seleciona os candidatos pelos seus méritos e esforços próprios. Com a nova lei, passa a contar também a sua origem, o seu pedigree, o a falta dele! Num país onde a qualidade da educação deixa a desejar, o ingresso de estudantes menos preparados no ensino superior só poderá ter duas conseqüências: um aumento na evasão ou uma queda na qualidade, ou ambas. Se a qualidade cai, a procura por parte daqueles mais preparados diminui, e o círculo vicioso está formado. É a degradação do ensino público atingindo também o ensino superior. Não creio que seja responsabilidade do Estado dar educação à população. É obrigação do Estado dar assistência. A responsabilidade é da família. Se os pais preferem gastar mais com supérfluos do que com a educação dos filhos, por que o Estado deveria ser preocupar? Se o Estado tivesse mesmo a intenção de melhorar o ensino como um todo (do que eu duvido!), já teria mudado o sistema educacional na fonte. Em vez de bancar o ensino superior de todos (que podem e dos que não podem arcar com ele), teria uma política de assistencialismo, afinal não é porque é público que tem que ser gratuito. E qualidade sem dinheiro é difícil de se obter. O dinheiro gasto com o ensino superior poderia e deveria ser revertido para o ensino fundamental.

Melhorando o ensino fundamental, os egressos da escola pública terão as mesmas oportudidades na disputa com aqueles das escolas particulares. Eu mesmo estudei toda a minha vida em escola pública, e não precisei de cotas. O mesmo vale para muitos outros que conheço. Ninguém imagina impor cotas nas Olimpíadas para ajudar os países pobres, pois o que conta é o esforço de cada um. O que vale é o investimento na preparação dos atletas para que possam competir com qualquer um, independentemente do PIB de seu país. Por que deve ser diferente na educação? De mais a mais, a educação superior é um item supérfluo, principalmente num país de analfabetos. Com esse Projeto de Lei, que vai contemplar meia dúzia de descamisados, e todos esses "Projetos Sociais" que dão migalhas ao povo (e não dignidade!), voltamos a mais de 2000 anos atrás com a filosofia panis et circenses. Essa que é uma prática usual de sistemas ditatoriais, mas que parece funcionar igualmente bem nas democracias populistas.

Tuesday, March 07, 2006

 

Meus pêsames às mulheres


Já me cobraram esse ano que deveria fazer uma torta para as funcionárias da loja de minha mãe no dia 8/3 em virtude da data. Em outros anos, muitas foram as mulheres que me cobraram as felicitações... Se as mulheres têm o seu dia, por que nós homens não temos o nosso? Onde está a igualdade de direitos que tanto se apregoa? E parabéns por quê? Se esta data existe, imagino que seja para lembrar a todos que as mulheres ainda lutam por ter seus direitos reconhecidos. Então não há nada ainda o que festejar. Ao contrário, é para se lamentar. Por isso esse ano decidi: em vez de desejar felicitações às mulheres por essa data, desejarei meus pêsames.

Pêsames por vivermos numa sociedade que parece precisar de rótulos para sobreviver. Uma necessidade que demonstra a mediocridade do ser humano, pois ao classificarmos os diferentes grupos, queremos fazer parte de uns e não de outros, e certamente nos estabelecermos numa posição de pretensa superioridade. Se todos reconhecessem que somos essencialmente diferentes entre si, uma vez que nenhum DNA é igual ao outro, e ao mesmo tempo iguais, pois somos todos de uma única espécie, critérios de sexo, cor, opção sexual, religiosa ou futebolística, deixariam de ser motivo de segregação e passsariam a ser algo do qual nos orgulhássemos. Quantas espécies podem se gabar de tanta diversidade? Talvez só mesmos os nossos amigos canis familiaris, e eu não me lembro nunca de ter visto qualquer tipo de discriminação racial entre eles. É, talvez tenhamos mesmo muito o que evoluir. Espero viver numa época em que a única data comemorativa seja primeiro de janeiro!

Monday, March 06, 2006

 

Socialismo na indústria cinematográfica



A entrega do Oscar esse ano causou-me misto de indignação e compreensão. A primeira indignação antes mesmo da cerimônia começar. Digo, começar a ser transmitida pela globo (que está em minúsculo propositalmente) ! Pois não é que a rede globo de televisão teve a empáfia de sobrepor o aborrecidíssimo bbb com a cerimônia do Oscar? (diga-se en passant que ambas atrações padecem de um mesmo mal em suas votações: a previsibilidade). Preferiria que o sbt, com todas as suas falhas, a apresentasse. Pelo menos teria assistido à cerimônia completa e o Rubinho estaria lá para nos brindar com suas estatísticas e previsões equivocadas, e não o aborrecido e anti-comentarista do Wilker.

A segunda indignação é pessoal: como pude ser tão inocente em não prever que Brokeback Mountain não ganharia o Oscar de melhor filme? A Academia parece gostar de dividir os prêmios de melhor direção e melhor filme, e fui conferir as estatísticas para confirmar que dentre as 78 edições, em 23 (quase um terço) o melhor diretor não dirigiu o melhor filme. Em anos onde não há um franco favorito, isso se torna mais patente. Este ano não seria exceção. Injusto? Não sei. Num ano de ótimas produções, talvez seja mesmo difícil escolher um em detrimento de outro, e dividir parece ser a solução. Como resultado 4 filmes saem com 3 estatuetas, e outros 20 com uma cada.

É gritante a competência na direção de Ang Lee em comparação à de seus concorrentes, pois ele consegue dar um olhar novo a um tema controverso, e melhor, de maneira elegante, sensível e pouco intrusiva. Talvez o único que se aproxime a ele neste ano seja George Clooney, igualmente elegante e econômico. Spielberg é sempre competente e hábil tecnicamente, mas parece ficar meio engasgado, como que querendo dizer algo mais do que mostra. Por fim, Paul Haggis e Bennett Miller são excelentes, mas ainda a um passo dos colegas. Assim, a premiação de Ang Lee não é só óbvia como mais do que merecida, ainda mais se levarmos em conta o seu currículo.

Então, para quem sobra o prêmio de melhor filme? Se Brokeback Mountain (BM) saísse vencedor a Academia teria feito um grande favor à sociedade (especialmente a estadunidense) ao endossar que o amor não segue regras. Por outro lado, talvez seja esperar demais que a comunidade votante, pertencente a essa sociedade, compreenda esse papel e endosse algo contrário às suas próprias crenças. Mesmo assim, o fato de BM constar entre os favoritos e com o maior número de indicações já é um passo nesse sentido.

Paralelamente vem Crash, um filme que, ainda que não muito original nem na temática, nem na estrutura narrativa, vai ao encontro da angústia dos dias de hoje. Assistir ao filme é quase que como olhar pela janela da casa ou do carro; pelo menos foi assim como eu me senti, mesmo a milhares de quilômetros de Los Angeles. Fiquei imaginando, então, para quem vive lá! O filme é um desabafo de todos para todos, vociferando verdades que muitos insistem em não enxergar. É uma política talvez mais urgente do que aquela apresentada em BM. É a política não de um grupo, mas de todos os grupos. Ao falar sobre tolerância, os homossexuais podem se incluir e tirar proveito dessa mensagem. Além disso, Crash é, dentre todos os filmes concorrentes na categoria principal, o único indie puro-sangue, o que não deixa de ser interessante. Se o conservadorismo da Academia venceu na temática, por outro lado deu um novo fôlego à indústria e à maneira de se produzir filmes.

Embora BM continue sendo o meu filme favorito, ainda acho que não houve injustiça. Talvez o fato de BM ter perdido um prêmio que era apontado como certo por todos, mesmo por aqueles que não o consideravam a melhor opção, ou que o apoiavam apenas pela temática, funcione como uma contra-propaganda, fazendo com que ele seja sempre lembrado por ter sido injustiçado. Por outro lado, Crash ganha uma sobrevida e poderá vir a ser melhor apreciado por um público maior, e não ser esquecido logo após a cerimônia, destino quase inevitável, caso não se sagrasse o vencedor da principal categoria.

Enfim, fiquei feliz com as premiações como um todo, temendo que o verdadeiro injustiçado tenha sido Star Wars III, completamente ignorado pela Academia até mesmo nas categorias técnicas. Fiquei especialmente contente com a premiação da trilha sonora de Gustavo Santaoalla desbancando o favoritismo de John Williams, que é inegavelmente o maior compositor de trilhas sonoras de todos os tempos, porém com uma composição que em certos momentos é maior do que o próprio filme. Contrariamente, a trilha de Brokeback Mountain é bastante contida e com um tom muito mais apropriado, tornando-se inesquecível e parte inexorável do filme.

Thursday, March 02, 2006

 

O valor da arte



Essa postagem deriva de uma discussão que travei no orkut acerca do filme "Ponto Final". Enquanto eu achei o filme com um roteiro afinadíssimo (e não só eu, dada a sua indicação ao Oscar e vários outros prêmios), outros parecem ter detestado. O argumento era sempre que o filme era uma reciclagem pretensiosa e mal-feita (!), que as comparações com Dostoeivsky eram ridículas, etc. Daí eu comecei a pensar: qual o valor da arte?

Afinal, como se medir algo imensurável? Podemos propor determinados critérios, como a técnica; ou então a sua originalidade. Dois bons representantes seriam Da Vinci e Picasso. Enquanto o primeiro prima pela técnica, o traço perfeito, a recriação perfeita da realidade, o segundo subverte tudo. Para mim, Guernica vale muito mais do que Monalisa. Certamente o mundo inteiro não pensa assim. Graças a Deus (!?!?). Se me perguntassem se eu gostaria na minha sala de uma gravura de Picasso ou da Monalisa, não hesitaria em escolher a primeira. Fica claro que o valor de uma obra está na sua ressonância com o interlocutor. Olhar a Monalisa (depois de conseguir furar o bloqueio de turistas japoneses!) foi pra mim decepcionante, tedioso mesmo. Já de frente a um Picasso, um Van Gogh, um Frida, meu pensamento voa longe. Eu fujo da realidade por alguns instantes, fico mais leve, minha alma se revira e se acomoda numa nova posição. A arte cumpriu seu papel. Pode ter uma sensação como essa preço?

Wednesday, March 01, 2006

 

Oscar 2006



A sorte está lançada. Hoje terminei minha maratona para o Oscar. Como estava atrasado com os lançamentos, tive de assistir a 10 filmes em 4 dias. Ainda bem que é um prazer e não uma obrigação, mas confesso que o prazer por pouco não vira sofrimento.

Felizmente, este é um ótimo ano para o cinema. Há tempos não via uma safra com filmes tão bons. E como qualidade e quantidade quase sempre não andam juntas, são todos fracassos de bilheteria. Por sorte que, salvo Munique, todos os outros são filmes de orçamentos modestos. Pelo menos nas principais categorias. Imagino o quanto não deve ter custado Memórias de uma gueixa, uma das poucas superproduções. A academia, no entanto, está fazendo jus ao seu sobrenome: artes e ciências. Fosse em outra época, esse seria um forte concorrente; ainda bem que vivemos novos tempos. É por isso que acho, ainda que contra o senso comum, que Brokeback Mountain se consagrará o grande campeão da noite. E falando em campeões, vou deixar aqui as minhas apostas. De todos os filmes concorrentes, só não assisti a Marcas da violência e aos que ainda não estrearam: Transamérica, Junebug, Ritmo de um sonho, Sra Henderson apresenta e A lula e a baleia. Esses, no entanto, concorrem em apenas uma ou duas categorias cada: nas de ator/atriz e roteiro. Assim, acho que estou, de certa forma, apto a dar opiniões bem embasadas:

Melhor direção de arte: Memórias de uma gueixa
Melhor figurino: Memórias de uma gueixa
Melhor maquiagem: Star Wars III
Melhor efeitos especiais: King Kong
Melhor som: Johnny e June
Melhor edição de som: King Kong
Melhor trilha sonora: O segredo de Brokeback Mountain
Melhor fotografia: Memórias de uma gueixa
Melhor edição: Crash
Melhor roteiro adaptado: O segredo de Brokeback Mountain
Melhor roteiro original: Crash
Melhor atriz coadjuvante: Rachel Weisz, O Jardineiro Fiel
Melhor ator coadjuvante: George Clooney, Syriana
Melhor atriz: Reese Whiterspoon, Johnny e June
Melhor ator: Philip Seymour Hoffman, Capote
Melhor diretor: Ang Lee, O segredo de Brokeback Mountain
Melhor filme: O segredo de Brokeback Mountain

Agora é assistir e ver o que dá. Boa noite, e boa sorte!

 

É doloroso pensar



Enfim, aqui estou. Depois de muito tempo querendo, ponderando e relutando, resolvi dar a cara a tapa e acabar com o dilema (pareço ter um fraco por criar dilemas!). O nome do blog vem de Harry Potter, e se refere a uma "fonte mágica" onde podemos depositar aqueles pensamentos que nos atormentam e, assim, ficar livre deles. Quando quisermos revê-los, eles estarão lá, guardadinhos. Afinal, um diário não é exatamente isso ?

Resolvi estrear o blog falando justamente do processo de pensar. Como é doloroso! Muitos já disseram, e eu faço coro: só os ignorantes são felizes. Eu queria ser mais feliz, mas meus neurônios não deixam. Em alguns momentos quisera ter menos. Será que é por isso que tantas pessoas inteligentes usam drogas? São dois resultados em um único pacote: a curto prazo, uma fuga da realidade; a longo, a incapacidade de pensar. Mas essas opções não me cabem. Então o que fazer? Compartilhar a dor; e eis eu aqui.

Seria minha a culpa de pensar tanto? De querer saber tanto? De nunca me conformar com pouco? A própria cultura cristã condena o conhecimento (afinal qual o motivo da expulsão do homem do paraíso?). Azar o meu não ser cristão! Azar o meu ter os ouvidos e olhos abertos! Agora é tarde; já virei um viciado do saber e do pensar. Melhor então aprender a conviver com essa dor e procurar amenizá-la com pequenos instantes de trivialidades, fazer excursões da realidade, fugir da própria intimidade.

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